segunda-feira, 7 de julho de 2008

Prólogo



A noite estava calma, sem nuvens e o luar dançava indolentemente na lâmina da espada cravada exactamente a meio do caminho de terra batida, que qual serpente rastejava e se perdia de vista na planície adormecida. A arma parecia estranhamente alienígena colocada naquela paisagem. Os copos dourados decorados com círculos entrelaçados nada tinham em comum com o azul escuro do céu. A uma grande distância da espada cravada na terra avistavam-se recortadas na noite escura as ameias de um glorioso castelo. Pontos preguiçosos de luz dourada indicavam as tochas que ainda ardiam nas torres, quase se confundindo com as estrelas.

“crac”

Um som que ali não pertencia perturbou a noite diferenciando-se do sibilar da aragem…

“crac”

Uma pedra a embater noutra…

“crac… fluuush”

As labaredas ergueram-se finalmente, alegres por lhes ter sido dada a conhecer a bênção da vida. E a terra ao redor da espada cravada na terra iluminou-se com o enxotar das trevas.
Uma simples fogueira havia sido acesa ao lado da arma… e à sua frente encontrava-se uma figura sentada que olhava fixamente para as chamas. A pessoa que desafiara a hegemonia da noite com aquela fonte de luz e calor.

- Está atrasado… nunca se atrasa - melancolia era emanada de cada sílaba, não tristeza, mas a melancolia de alguém que conhece o verdadeiro significado da única lei verdadeira naquele mundo de anarth. “O destino é inexorável.”

O homem observava as chamas, e a pouca luz que elas emanavam era suficiente para desvendar algumas das suas características. Possuía um hirsuto cabelo acastanhado, que a fogueira parecia fazer brilhar. Usava uma fita de couro tingida de vermelho à testa. Possuía traços faciais fortes, maxilares salientes e um queixo proeminente. Tudo coberto pelo início de uma fina barba preta.
Diz-se que os olhos são os espelhos da alma. Mas não os daquele homem. No seu caso estes eram a sua própria alma. Um livro aberto de emoções. As chamas reflectiam-se nos orbes verdes como musgo. Pareciam não pertencer àquele rosto de homem, pois aqueles eram os olhos de uma criança, e emanavam uma imensa tristeza.
De súbito o homem apoiou-se no chão e levantou-se, olhando por cima do ombro para a estrada sombria. Ouvira a harmonia da noite quebrar-se uma vez mais.
O som de passos a aproximarem-se… Soube que chegara o momento que pensara nunca poder acontecer. Virou as costas à fogueira e agarrou no punho da espada cravada na terra com um punho enluvado. Arrancou-a do chão e embainhou-a com um sibilar metálico à sua cintura. Sabia que no momento em que a desembainhasse novamente tudo estaria perdido. Não havia como regressar. Tinha de pôr tudo atrás das costas.

Era de estatura mediana, algo muito comum naquela zona do mundo e usava algumas peças de armadura. Tinha um fato de couro cerzido que quase lhe chegava aos pés, o mínimo indispensável para qualquer guerreiro, a que tinham sido cozidas lâminas de ferro na parte do tronco, o que oferecia uma maior protecção. Usava espaldeiras, bem como braçais e caneleiras para proteger os membros, tudo de ferro. Todas as peças da armadura pareciam baças como se não fossem limpas havia muito tempo.

O homem fechou os olhos e sentiu a presença aproximar-se. Deixou-se estar sentindo a calma da batalha inundá-lo uma vez mais. Recordou todas as viagens, recordou as terras por onde tinha passado, recordou vitórias e derrotas, recordou aquela ilha e o dia que mudara a sua vida, e acima de tudo recordou-a a ela e a ele. O fio da sua vida tinha-o conduzido até àquela estrada poeirenta e sabia que não havia nada a fazer. Depois desta noite enluarada nada mais seria o mesmo.

O som de passos parou e sabia que não se encontrava sozinho.

Abriu lentamente os olhos verdes e encarou finalmente à luz da fogueira a quem o tinha perseguido durante os últimos dois anos. Foi então que soube que a luta era inevitável.

Orbes verdes fitaram orbes cinzentos.

O homem que nascera da noite era exactamente o oposto do outro guerreiro. Era bastante mais alto que este e não usava qualquer armadura. Apenas uma camisa e calças bastante esfarrapadas. A camisa não tinha mesmo mangas, deixando ver os seus braços magros, cuja pele brilhava de uma palidez surpreendente.

A sua face não deixava transparecer qualquer emoção. Tinha lábios finos e queixo um pouco alongado. Tinha cabelo louro quase branco muito longo que lhe descia pelos ombros abaixo. Uma fita azul na testa mantinha-o longe dos olhos. Uma cicatriz antiga cortava-lhe diagonalmente a face esquerda. O recém-chegado esboçou um sorriso, que mais parecia um esgar.

- Há quanto tempo ajingha… - Havia uma ira mal contida nas suas palavras

- Elfric… Esse nome não mais o voltei a usar

Elfric riu-se para a noite. Riu-se enquanto se preparava. Riu-se enquanto levava a mão à sua cintura e desembainhava uma longa espada. Riu-se enquanto se lançava para diante com uma velocidade sobrenatural pronto a matar. O guerreiro viu o tremendo perigo em que se encontrava e levou a mão ao seu flanco esquerdo. Estava na altura de esquecer o passado.

O golpe silvou no ar, o luar reflectiu-se por um segundo e em seguida uma nuvem de pó inundou o local.

- Vejo que melhoraste desde a última vez que nos encontrámos.

Elfric dirigira aquele golpe à cabeça do guerreiro mas este esquivara-se no último segundo. O terrível golpe atingira apenas o chão levantando toda aquela poeira. Sempre a rir o atacante virou-se e encarou o seu oponente que nem sequer desembainhara a espada uma vez mais e caminhou lentamente para ele.

- Nunca nos devias ter traído.

- Não sei do que falas.

Continuou a andar na direcção do guerreiro.

- O quinto selo foi aberto. O tenebroso sabe que o seu tempo se esgota. A maior guerra que o mundo testemunhou está iminente e...

Os olhos cinzentos brilharam de fúria gélida.

- Tudo por tua causa.

O guerreiro nada disse. Elfric franziu o sobrolho à medida que se aproximava.

- Não dizes nada? Estás cansado de fugir?

Uma terrível fúria enchia-o. Estava na hora de acabar com aquilo. Desejava aquele momento havia dois anos.

O guerreiro olhou para o seu perseguidor que parara a três passos de distância e viu-lhe as orelhas pontiagudas. Sentiu uma tristeza invadi-lo.

- Elfric este não é o caminho.

- Não penses que essas palavras te salvarão. Cansei-me de as ouvir antes. Prepara-te.

Assim fez. Levou a mão ao punho de Echtelion, a espada cravada na terra e soube que a hora chegara. Fitou aquele que fora o seu grande amigo e mentor.

- Elfric, tu nunca compreendeste nada.

Fechou os orbes verdes, e quando os abriu os olhos de menino haviam desaparecido. Fúria gelada inundava-os.

- Agora é tarde.

Com um silvo Ternd desembainhou a sua espada.